De entre as mais conhecidas
lendas de Portugal, a da Costureirinha aparentemente teve origem no Baixo
Alentejo, ainda que seja comummente relatada noutras partes. Eu mesma a ouvi em
criança em terras do Ribatejo, apropriada como se daí se tratasse. Mas é, sem
dúvida, pelo Alentejo que se encontram mais registos, ainda que tardios e, como
tal, não comprovando nada. Em todo o caso, segue a lenda…
Várias versões existem para a
história da vida da pessoa. Costureira, obviamente, afirmam alguns que
habitualmente trabalhava ao Domingo, portanto, sem respeitar o dia sagrado.
Para outros a origem desta história prende-se com o facto de a pessoa ter
deixado por cumprir uma promessa feita por ter adoecido gravemente. Teria
prometido doar a sua máquina de costura caso melhorasse, mas ao melhorar logo
esqueceu a promessa. Uma terceira hipótese seria uma promessa de costurar um
manto para Nossa Senhora, o que nunca terá chegado a fazer. Em qualquer dos
casos a Costureirinha teria sido “condenada” a errar pelo mundo dos vivos
durante um certo tempo por não cumprir os seus deveres religiosos.
Outras versões falam de um
vestido de noiva. Ou que uma mãe costureira fez para a filha que faleceu antes
de se casar e por isso a mãe continuou a costurar movida pelo desgosto; ou da própria
rapariga que costurava o vestido para si mesma e que faleceu antes de casar e
por isso continuou a trabalhar no seu vestido pós-morte. Ainda numa outra versão fala-se de um marido
alcoólico que a obrigava a trabalhar dias a fio para sustentar a família, não
parando sequer depois de morta.
Uma versão de que a Costureirinha
teria deixado por cumprir uma promessa a S. Francisco chegou a ser publicada em
1914 no Diário de Notícias.
Em comum às várias versões é que
da Costureirinha nunca se terá visto aparição, mas apenas ouvido. Ouve-se uma
máquina de costura, antigas, de pedal. Ouve-se o pedal e a tesoura. E esse som
poderia ser ouvido em qualquer parte, mas principalmente na época de Verão ao
final do dia. Um som supostamente tão nítido que alguns afirmavam ouvir mesmo a
linha a partir.
O relato mais completo da lenda
será o seguinte:
“Viveu à muitos anos em Cuba, Baixo
Alentejo, uma mocinha, chamada Mariana. Por ser muito habilidosa e porque
ganhava a vida a costurar de casa em casa para quem necessitava, toda a gente a
conhecia e tratava por Costureirinha. Ela fazia vestidos bordados, lençóis,
etc., tudo à mão.
Levava
uma vida sem muitas ambições, mas tinha um sonho; - ter uma máquina de costura.
Trabalhava muito. Acabava os trabalhos nas casas das pessoas e depois, quando
vinha para casa, continuava a trabalhar pela noite fora para ganhar dinheiro
para comprar o seu sonho; - a máquina de costura.
Trabalhou durante anos a fio, guardando numa caixinha algum dinheirito. Até que
um dia, abriu a caixinha onde guardava as suas poupanças, contou e recontou o
dinheiro e viu que era o que necessitava: três reis.
No dia
seguinte, logo de manhãzinha, foi a caminho de Beja, muito feliz, para comprar
a máquina.
Ela
agora parecia outra, fazia obra num abrir e fechar de olhos, era como se
tivesse mais pessoas a trabalharem para ela.
Passado
algum tempo, houve um surto de tuberculose e a Costureirinha, também foi
atacada pela doença. Ficou muito fraca e já estava desenganada dos médicos -
restava-lhe esperar que a morte a viesse buscar.
Muito
triste, chorou muito. Voltou-se para a Virgem Nossa Senhora D'Aires e
implorou-lhe que a curasse, que ela em troca lhe daria a máquina de costura
(que era aquilo que ela de mais valioso possuía).
E assim
foi, a Costureirinha curou-se e voltou a trabalhar. Mas a máquina fazia-lhe
tanta falta, que ela resolveu pedir à Virgem mil perdões, mas que só lhe daria
a máquina quando estivesse para morrer, pois era a sua única forma de ganhar o
sustento.
A virgem
acedeu e a Costureirinha lá continuou a fazer os seus belíssimos
trabalhos.
Já muito
velhinha, sentindo que já não lhe restava muito tempo e como não tinha família
e já não trabalhava, pediu a um estafeta que levasse a máquina de costura à
Virgem Nossa Senhora D'Aires, porque já não se sentia capaz de fazer essa
viagem.
O
estafeta acedeu, mas quando ia na viagem pensou em vender a máquina; e se o
pensou, melhor o fez.
Quando
voltou de viagem disse à Costureirinha que tinha entregado a máquina na Igreja
da Senhora D'Aires, como lhe tinha prometido.
Passado
algum tempo a Costureirinha finou-se. Quando se encontrou com a Virgem, esta
perguntou-lhe pela máquina de costura. A Costureirinha contou-lhe a história
toda e a Virgem perdoou-lhe a falta. Mas a Costureirinha é que não se
esqueceu da promessa por cumprir e então de tempos a tempos vem à procura do
estafeta.
Contudo,
não o consegue encontrar. Então dá um sinal que é o barulho de uma máquina de
costura a trabalhar, para que o estafeta ao ouvi-lo se lembre da falta que
cometeu.
E ainda
hoje, à noitinha, o tic-tic-tic da máquina de costura se consegue ouvir de casa
em casa.”
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